Não
seria surpresa que viesse escrever sobre o encurtamento das distâncias, sobre a
velocidade do mundo, sobre a circulação de informação, sobre as relações
superficiais... tudo isso já é assunto trivial. Quem, das últimas duas ou três
gerações, nunca viu o mapa mundi diminuindo de David Harvey na escola? Ainda no
senso comum, também falamos do excesso de informação e da falta de compromisso
com a verdade (como se soubéssemos o que é essa tal verdade), como quem fala da
novela. Sim, há riscos aí, mas há ainda muito a ganhar. Aliás, a última coisa
que quero é produzir aqui um julgamento moral das mudanças da nossa era, até
porque, se é difícil prever a próxima novidade, mais ainda é prever as
implicações do novo mundo sobre nós. Tudo que há é o tempo encurtado, novas
comunicações a cada dia, novas relações, novos amores, novas artes... enfim,
novas falas. Não só: novas falas e novos falatórios. Mas isso é tudo. Do
passado aprendemos, do futuro não sabemos. O que nos serve encontrar é o aqui –
cada vez mais, um aqui maior – e o agora – cada vez mais, um instante breve.
Os
encontros são distantes; as imagens, abundantes; as escritas, improvisadas; as
falas são vídeos de três minutos, se forem longos. Não, não é o tempo curto que
apressa a existência; é a existência apressada que encurta o tempo. E, no
imperativo de produzir mais e mais, não há tempo para pensar, não há tempo para
amar, mal há tempo para falar (para aqueles que tem a vantagem de não serem
silenciados a cada vez de novo, é claro). É que o olhar mandou a fala para
aquele lugar e sentou na sua cadeira. Sim, nossa sociedade é narcisista, mas não
porque somos egocêntricos e queremos que todos nos desejem – isso é neurose.
Narcisista no sentido mais restrito, mais teórico; narcisista porque o que mais
nos importa é o olhar, o espelho. O olhar que demando no Instagram não é um
olhar que me deseje, é um olhar, antes de tudo, que me garanta a própria
existência, espremida em pequenas pausas-para-um-café em que posso pensar e
amar.
Este
dedo que desliza numa pequena tela impele imagens mais e mais, mas são imagens
que nunca se encontram. Não fazem cadeia, não se sequenciam, tão somente se
sobrepõem rapidamente, enquanto olho para um outro que me permite tentar
ensaiar um desejo – unicamente desejo de sê-lo – para logo deslizar outra vez e
abandonar minha ameaça, encarando um outro outro, cada vez mais outro.
O que
vem primeiro, o ovo ou a galinha? Agarro-me às imagens apressadas porque não
tenho tempo de simbolizá-las? Ou será não há tempo de simbolizá-las por estou
cada vez mais agarrado às imagens que correm nesta tela? Com este par imagem /
sem tempo, eu busco desesperadamente – humano que sou – qualquer coisa que me
possa dar sentido. Mas não tenho tempo, então meu sentido tem que ser rápido.
Boto legenda na imagem, faço um meme, assisto um vídeo de autoajuda de dois
minutos, ou faço dez minutos de yoga por dia. Tento incessantemente salvar
algum resto de significação no que se apresenta para mim virtualmente, porque
sei que, quando levantar os olhos desta pequena tela, haverá uma árvore que me
chama, um olhar que cruza com o meu, ou uma música que me soa. É que 140
caracteres dão conta de um mínimo de sentido para uma imagem virtual, mas
simbolizar a vida vivida, “essa coisa esquecida entre um momento e um momento”,
é trabalho interminável.
Sem me
preocupar com julgamento sobre as vantagens ou desvantagens desta língua e
deste tempo tão próprios da internet (por motivos que já citei), me atento de
verdade a este levantar de olhos. O que acontece na internet, fica na internet,
e está muito bem com sua maneira própria de simbolização possível. Talvez haja,
sim, um julgamento de valor quando penso que esta maneira não daria conta do
mundo vivido. Talvez haja um atravessamento que me incite a atribuir tanta
síndrome do pânico, tantos transtornos de ansiedade, tantas atuações... talvez
haja um atravessamento que me incite a atribuí-los a este tempo encurtado, à
parca simbolização que dá tempo de efetuar na hora do café. De fato, não posso
deixar de reconhecer isto. Mas se penso aqui atravessado por algum julgamento
moral que resistiu à minha luta contra eles, ainda não tive condições de me
orientar neste mundo sem ele. Talvez justamente por isso não encontre
possibilidade de simbolizar o mundo imediato dentro da língua e do tempo da
internet.
De toda
maneira, é aqui que posso transitar, e é preocupado com este levantar dos olhos
que escrevo, no intuito de inaugurar este novo lugar que tento inserir na minha
vida. Sim, lugar, porque a internet não deixa de ser espaço de vivência (aliás,
site, sitio, endereço...). Abro, então, este lugar, para juntar pecinhas
(vulgo, significantes) de um Simbólico disperso, para poder levantar os olhos
sem me assustar (não posso pensar o susto para além do Real, do pré-reflexivo).
Um espaço que habitará no entredois pós-moderno, talvez me contradizendo muitas
vezes, oscilando entre uma preocupação com a seriedade, o compromisso com o que
se diz (talvez um pouco nostálgico), e a informalidade, a espontaneidade do
mundo virtual. Com o compromisso de contar de onde tirei as ideias, mas sem a gravidade que tolhe; com textos
pensados e bem desenvolvidos, mas não excessivamente compridos, nem muito
frequentes. Sobretudo, com atenção (até academicista, eu diria) ao que se diz,
mas sem escolher um assunto, uma disciplina, um autor... é que se trata de um
espaço pessoal, atravessado por tantos pensamentos que me incitam. Um espaço de
levantar os olhos com cuidado, e assumindo um compromisso de não romper
completamente com nenhum dos lados disso que chamei de entredois pós-moderno.
Pedro H. Mendonça
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