ACESSE A PARTE 1: CISÕES DO MITO NA PÓS-MODERNIDADE
http://entredois-phmendonca.blogspot.com/2018/07/pensando-o-mito-parte-1-cisoes-do-mito.html
Na semana passada, tratamos de dois
elementos da cultura moderna que vêm tomar o lugar do mito, morto em nossos ideais
analíticos de racionalidade: a ciência, ambiciosa por descrever e explicar o
mundo; e os sistemas econômicos, estruturas que organizam (mais ou menos
coercitivamente) as relações. Mas, logo de início, havíamos tratado do mito em
seu aspecto visceral, certamente não cumprido por estes dois elementos, a não
ser para os cientistas entusiastas da academia e investidores ousados das
bolsas de valores. Ora, o caráter emocional do mito caminha junto com outra de
suas funções, que também tratamos na parte 1, a inserção dos novatos na
cultura. Não há dúvida de que esta inserção está de mãos dadas com o lugar
estruturante ocupado pelo mito, mas não ensinamos economia para nossas crianças
na escola (a não ser algumas noções básicas e insuficientes de matemática e
história). Também não lhes ensinamos a ciência em sua profundidade e
complexidade: ninguém aprende astrobiologia no primário.
Onde buscar, então, o contágio
emocional mítico em nossos dias? Ora, não é raro vermos análises literárias e
cinematográficas que bebem dos estudos mitológicos. Quantas vezes vemos, por
exemplo, Senhor dos Anéis ou Star Wars usados para ilustrar a jornada
do herói traçada por Campbell? É certo que na indústria do entretenimento, há
muito de obviedade e superficialidade, mas os grandes clássicos da literatura e
do cinema trazem normalmente o caráter envolvente do mito – e nos servem,
inclusive, de modelo (eis aí o risco de uma indústria
do entretenimento). Até mesmo as produções críticas e/ou subversivas não deixam
de estar produzindo cultura, ainda que a partir de uma inversão (ou melhor, subversão).
E por quê? Se temos um mundo “explicado”
pela ciência e uma sociedade “organizada” pelo capitalismo (ou outro sistema
econômico, caso queiram), o que é que tanto queremos assistindo filmes ou séries
e lendo livros para nos emocionar (em vez de nos emocionarmos com a própria
vida)? Pois, inverto a pergunta e digo que precisamos das produções culturais
para nos ensinar a nos emocionar com a própria vida – tão besta seria ela se
vivêssemos de conhecimento e dinheiro! Para os junguianos: nem só de pensamento
e sensação vive o homem.
Mais besta ainda, até estúpido,
seria querermos que nossas crianças se inserissem na cultura a partir destes
elementos analíticos, complexos e – até certo ponto – chatos. É verdade que
tocamos aqui um ponto mais complexo, objeto comum da antropologia: diferente da
maioria das sociedades mitológicas, privamos nossas crianças das angústias da
vida adulta (e fabricamos a necessidade de uma adolescência ainda mais complexa
do que a própria multiplicidade de possibilidades do mundo pós-moderno nos
obriga a fazê-la). Ainda assim, de alguma maneira, queremos que nossos novatos
entrem no mundo, mesmo que numa parte dele de cada vez – então contamos histórias.
Talvez, até, nossos filmes e livros sejam resquício de uma infância saudosa.
Mas pouco importa se o ovo ou a galinha vem antes, nunca saberemos. Importa,
sim, que queremos livros e filmes para satisfazer e produzir nossos afetos e,
ao mesmo tempo, oferecemos histórias análogas às nossas crianças.
Assim,
contamos a elas, sob um disfarce sutil, tudo que está em jogo na vida adulta. Falamos
do Lobo-Mau e falamos do caçador que o vence. Incitamo-los a mudar o que está
errado, como João e Maria que vencem a bruxa, ou reproduzimos o que está
errado, na espera de um príncipe encantado. Sim, sempre teremos de questionar o
que é isso que transmitimos às nossas crianças, assim como questionamos (ou
deveríamos) o que (re)produzimos nas nossas produções culturais de gente
grande. E sobre isso, só poso dizer: ufa! Se a ciência e a economia, com todos
os seus problemas, são tão difíceis de mudar, pelo menos nos resta algum lugar para
fazer cultura – e desfazer (sempre por dentro dela mesma, não posso deixar de
dizer) uma cultura de dominações e exclusões.
PARTE 3: DO MITO DITO AO MITO RITO
http://entredois-phmendonca.blogspot.com/2018/08/o-mito-e-o-hoje-parte-3-do-mito-dito-ao.html
Pedro H. Mendonça
PARTE 3: DO MITO DITO AO MITO RITO
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