Produção
discursiva da verdade não é relativismo.
Singularidade
não é individualismo.
Desejo
não é mercantilismo.
Desconstrução
não é crítica pela crítica.
Imanência
não é “amores líquidos”.
Discursividade,
escritura, performatividade (...) não são atribuição de todo fenômeno ao
social.
Parto
de colocações defensivas relativamente comuns, respostas a críticas também
relativamente comuns aos pensadores que denominamos pós-estruturalistas. Mas será
mesmo que se sustentam? Será que cada item nesta lista é realmente tão diferente
de seu par? E, se não, seria isso realmente um problema? Vou me concentrar especialmente
na produção da verdade, na discursividade, já que são, no fundo, aquilo que há
em comum entre autores tão diversos, aquilo que nos permite fingir que são um
movimento de pensamento coeso e chamar toda uma época simplesmente de pós-estruturalismo.
Antes
de tudo, cabe retomar brevemente os traços epistemológicos que fundam nosso
pensamento. Não me deterei por muito neste ponto, porque já o tratamos aqui¹.
De maneira geral, compreendemos que toda vivência é singular no seu modo de acontecer
e, a partir do momento em que se torna experiência, este suposto mundo externo
já não é mais externo, mas unicamente uma produção conjunta de um sujeito e seu
mundo: não há objetividade (portanto, não há subjetividade, ao menos a priori), não há realidade. Há experiências,
sempre singulares, acontecendo cada uma a sua maneira. E não de qualquer
maneira: uma maneira referenciada na significação.
Coisas que aparecem, afetos que nos tomam,
pensamentos que nos orientam... são todos percebidos, antes de tudo, num campo
de sentido, num mundo em que cada item se relaciona com todos os outros, e nenhum
– jamais! – aparece por si só. E o que produz sentido e significação? Linguagem,
discurso, escritura, performance, até mesmo imagem (surpresa!), enfim, tudo aquilo
que, por um lado, junta e articula significantes para transformá-los em signos,
ordenando o mundo vivido, e, por outro, acentua o próprio furo desta ordenação,
a própria incapacidade de dar conta da experiência imediata. Se toda vivência
possível é um mundo de significação, então tudo que podemos experienciar
enquanto humanos são os meios de produção de sentido – o que chamamos, por exemplo,
de discursividade. Na formulação clássica: a verdade é produzida discursivamente.
Botando o pé no chão, isto pode se tornar mais
político que epistemológico. Aliás, sempre se torna: se não há realidade
objetiva, construo – discursivamente – a realidade que mais me convém, e não me
convence o que quer que digam os cientistas! Em última análise, nossa
epistemologia implica que todo viver junto (toda política, portanto) produz sua
verdade, seja em nome da coexistência, seja em nome da dominação.
Ora,
se toda realidade é produzida num esquema discursivo, então toda e qualquer
experiência humana está, sim, “reduzida” (entre aspas, porque não há nenhuma pequenez
aqui) ao social. Mas não porque ele seja o segmento mais importante do
biopsicossocial. É antes porque bio e
psico (seja lá o que queiramos dizer
com psico, eu honestamente não sei mais)
só são experienciados enquanto tais no social – aliás, a experiência organizada,
sistemática e científica de qualquer coisa só é possível no social e,
inclusive, bem depois e bem longe das experiências mais imediatas. Em suma, não
é que o bio e o psico estejam sujeitos ao social, mais do que isso, é que o social
é a única coisa que há.
Levado
às últimas consequências, este pensamento nos obriga, sim, a concluir por um
extremo relativismo: se é no discursivo que se faz a verdade, então toda verdade
tem de ser inserida no e até limitada pelo seu contexto cultural. Disso,
tiramos que tudo em que acreditamos não é verdade lá fora, mas também que tudo em
que se acredita lá fora é tão verdadeiro quando nosso mundo para nós. Isto não
quer dizer que vale tudo. Na verdade, aí está a diferença fundamental que se
busca quando se distancia o pós-estruturalismo da pós-modernidade. Em vez de uma
chuva de informações que não podem ser verificadas, nem sequer pensadas (porque
não há tempo), o que queremos é o mergulho: se nada é, e tudo pode ser, o que fundamenta
estes dizeres e fazeres que encaro agora? Quais são suas potências? Onde não se
sustentam? É, de fato, uma busca pelo pior e pelo melhor de cada autor, de cada
obra, de cada pensamento.
Poderíamos até dizer que a pós-modernidade é
uma perversão neoliberal do pós-estruturalismo (ou que nós é que subvertemos a
pós-modernidade). Acontece que, no fundo, se trata da mesma coisa: hoje em dia, apostamos na pluralidade.
Se nada é e tudo pode ser, façamos que tudo fale, que as diferenças se façam
ver – até porque é no próprio choque das diferenças que se produz sentido e
significação², é uma questão de honestidade! É na contradição que se movimenta
a vida e, por mais absurdo que me pareça o que alguém diz, me sinto mais seguro
com este alguém falando do que calado. É até mesmo uma estratégia política.
Está posta, de fato, uma perversão grave disto:
a valorização da pluralidade tem servido realmente a uma ilusão de liberdade e
democracia, encobrindo sob um semblante amável a dominação, a exploração e a exclusão.
Mas a marca de nosso tempo, o que possibilita e é possibilitado pelo pensamento
pós-estruturalista e pela dinâmica mundial pós-moderna, nossa marca registrada
é a aposta na pluralidade: cuidemos de torná-la força motriz da política e da
vida, sempre com crítica e honestidade, ao invés de torná-la a nova máscara da
exploração do capital.
¹ Conhece-te a ti mesmo, de 25/06/2018 (https://entredois-phmendonca.blogspot.com/2018/06/conhece-te-ti-mesmo-e-deixa-que-o-outro.html)
² Sobre o lugar epistemológico da contradição, também
já tratei um pouco mais detidamente, em 21/08/2018 – Oposição e estrutura: fundamentos
originários? (https://entredois-phmendonca.blogspot.com/2018/08/oposicao-e-estrutura-fundamentos.html)
Pedro H. Mendonça
Comentários
Postar um comentário