Para começo de conversa, não quero que
este texto se resuma a um mero ele não ou ele sim. Sei que os poucos a quem
minhas palavras chegam estão longe de serem desinformados, então não me
interessa listar motivos contra ou a favor de um candidato (há, de fato,
desinformados, mas dificilmente estarão lendo isto). Estive em dúvida por algum
tempo: não há muito mais o que dizer àqueles a quem alcanço, mas também não
posso fechar os olhos e escrever quaisquer palavras sobre qualquer tema
acadêmico que nada tem a ver com tudo que está acontecendo... de repente, me
dei conta que o que tenho realmente para contribuir, e que ninguém pode fazer
por mim, é justamente o encontro destas opções. Escrevo, então, sobre as ideias
que me rodeiam – na subjetividade e no laço social – neste momento, pautadas naquilo
que estudos aparentemente tão distantes do “patrão nosso de cada dia” podem oferecer
para uma visão singular do mundo vivido – tal como vivido hoje.
Curiosamente, mesmo antes dos tempos
eleitorais, tem me circundado a noção de diferença. Há muito o que dizer aqui,
e talvez me falte aprofundamento deleuziano para pensar tudo que quero pensar,
mas num momento como este é preciso arriscar. O fundamental aqui é que a
identidade só vem depois, bem depois, da diferença. De fato, quando falamos de “saber
lidar com a diferença”, ainda não é da pura
diferença que estamos falando. Tendemos a pensar a diferença em termos de
identidade: maçãs são diferentes de bananas, porque maçãs são maçãs e bananas
são bananas. O problema é que, antes de ser maçã, aquela maçã singular é pura diferença
em relação a tudo que não é ela – inclusive outras maçãs. Com Sartre, diríamos
que “o ser é definido pelo não-ser”.
De modo algum isto anularia o valor
de “saber lidar com a diferença”, muito pelo contrário, ressalta que este é (ou
deveria ser) um gesto muito além da tolerância, deveria um gesto que reconhece
que ninguém está com a razão, porque não há razão possível, e que suporta a angústia
da contradição para que daí possa brotar o movimento da vida. Nesta pura
diferença, me parece que há algo do Real lacaniano: aquilo que, escapando à lógica
da consciência, só pode se reconhecer como um sem-sentido anterior àquele ponto
que as coisas passam a ter um ser (identidade
e sentido) para chamar de seu. Só pode ser também o lugar donde nasce o desejo,
movimento de transformação de si e do mundo (um pleonasmo, pois se não há
transformação, há estagnação, jamais movimento).
É nesta radicalização do valor da
diferença que me vejo num impasse grave. Acontece que, em política (e aqui estou
na linha tênue entre política propriamente dita e esta coisa partidária que se
convencionou chamar de política), é preciso suportar a diferença acima de tudo,
por dois motivos. O primeiro e mais óbvio deles é a gestão de conflitos: é
claro que, se não queremos sair no tapa, temos de ouvir o que o outro nos tem a
dizer, por mais absurdo que nos pareça. Mas muito além disso e muito mais
importante é que essa diferença simplista (que é aquela pautada na identidade)
abre caminho para a tensão. No conflito de superfície é possível fazer emergir
as tensões e contradições que nos sacodem em direção à pura diferença – e relembro
que a partir dela é que movimentamos e produzimos vida.
Apresenta-se para mim a solução
óbvia em toda discordância política: respeito à alteridade para que a diferença
possa nos movimentar. O grande porém que o Brasil hoje nos traz é que, neste
caso, a alteridade que se apresenta para nós na política mata a diferença.
Aterroriza-me então a questão: como valorizar a diferença quando a alteridade é
aquela que pretende acabar com toda diferença? Ou melhor, o que realmente mantém
meu compromisso ético-político com a diferença: rechaçar a ameaça a ela ou
entender a ameaça como, ela mesma, diferença? Em última análise, defender a
democracia é defender o resultado das eleições, mesmo que ele ameace a
possibilidade futura de eleições? Na dúvida, prefiro não arriscar. Na dúvida,
vou de #elenão.
PS:
não escrevo este texto aos eleitores, até porque ele não tem qualquer poder de
convencimento. Escrevo quase como um desabafo, resultado dos contornos que pude
dar à angústia, dos caminhos teóricos que encontrei para dar sentido ao
sem-chão que me assola. Espero que possa servir pelo menos nesta direção a alguém
outro. Sem resultado prático direto, procuro simplesmente consolidar um chão de
onde atuar, para caminhe alinhado com uma Weltanschauung
e um sinthome que sejam meus.
Pedro H. Mendonça
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