Este texto não é um vira-voto. Este texto é para você que tem horror à extrema direita vazia e sanguinolenta que temos visto, mas que ainda tem um pé atrás com a “esquerda”... seja lá o que esquerda signifique hoje, se é que existe uma. Este texto é para você que não gosta de extremos, “nem extrema direita, nem extrema esquerda”. Este texto é para você que até vê mais sentido nos projetos “sociais”, mas tem medo de votar num candidato de esquerda e levar a economia à bancarrota.
E falar disso só possível porque, para um alívio momentâneo, temos uma eleição em São Paulo que nos permite voltar a debater que nem gente grande sobre projetos de governo. Afinal, vínhamos numa onda de muito confronto e poucas ideias, de um lado vociferando sangue e outro se debatendo desesperadamente para sobreviver. Talvez seja muito otimismo meu, mas parece que as eleições atuais nos permitem voltar a um debate de planos e propostas, que não opõe vida e morte, mas um projeto neoliberal e um projeto… de esquerda?
Bom, se você está dentro do pessoal que eu nomeei no começo, provavelmente pensa direita X esquerda como uma questão de “prioridades”: a economia é mais urgente ou as questões sociais são mais urgentes? Acontece que este par aparentemente dá conta da questão, mas é uma falsa dúvida. Entre tantas falas gozadas, há muita sabedoria no lema do governo Dilma - “país rico é país sem pobreza”. Pra tirar a construção esquisita: um país - a instituição, o corpo coletivo, o Estado - rico é um país sem pobreza - sem gente pobre. Em outras palavras, não dá para verdadeiramente cuidar da economia sem cuidar da distribuição de riqueza, tanto quanto não dá para erradicar a pobreza sem cuidar de como produzimos, isto é, de como geramos riqueza.
Não, isso não é uma tentativa de conciliação. O argumento neoliberal dirá que, ao contrário, colocar como prioridade as questões sociais nos faz deixar a economia de lado. Daí, como a gente distribui a riqueza se não tem riqueza para distribuir? Esta última questão tem um ponto importante, mas o pressuposto anterior é bastante ingênuo. Ora, se é válido o pensamento <<é preciso gerar riqueza para distribuir riqueza>>, precisamos então pensar o que significa gerar riqueza.
Quando a gente olha só para uma cidade, ou mesmo para um país, parece que é possível enriquecer ou empobrecer sem que isso tenha uma origem, mas não é bem assim. Tanto que não se pode simplesmente imprimir dinheiro para ter mais dinheiro, ele só valerá menos, serão mais notas para o mesmo valor. Isso porque o valor da moeda está assentado em um lastro, uma quantidade de riqueza que tem o Estado, antes medido em ouro, hoje em dólares. Se criarmos mais reais, a única mudança é que o dólar vai subir, porque nossa riqueza continuará a mesma e cada real vai valer uma parte menor dela.
Por que estou falando disso? Porque não se gera riqueza do além! O valor da moeda tem origem física, concreta em algum lugar. Só há três jeitos de gerar riqueza. O primeiro é roubando do amiguinho - e pode parecer que os países ricos do Norte não têm pobreza, mas a pobreza decorrente do enriquecimento deles só está fora das fronteiras: somos nós, no Sul! O segundo é explorando a natureza - o que, se a gente sair do antropocentrismo eurocidental, dá um pouco na mesma, afinal de contas, a diferença está só em tomar de um ser humano ou de seres não-humanos. O terceiro é trabalhando - não porque “o trabalho leva ao progresso”, como querem os meritocratas neoliberais, mas porque o trabalho sobre um elemento da natureza lhe agrega valor: algodão bruto é mais barato do que uma peça de roupa. Mas no fim das contas, a exploração da força de trabalho é uma espécie de desdobramento da exploração da natureza, com a particularidade de que não se toma um minério ou uma produção vegetal qualquer, mas a própria força muscular de uma espécie em particular, Homo sapiens.
Que fique claro, portanto, que, de maneira geral, não se gera riqueza. Ela circula. Se parece possível uma cidade ou país enriquecer sem gerar pobreza, ao menos nos moldes capitalistas, é só porque a pobreza gerada ficou fora das fronteiras. Então também não me venham com boas ações das grandes empresas, isso é morde-e-assopra, elas criam pobreza, não curam.
Bom, mas vamos voltando: o ponto aqui é que não há nenhum tipo de antagonismo entre pautas sociais e economia. Ou melhor, há, quando economia significa unicamente criar lucro. Aí sim, para criar lucro é preciso tirar de alguém. Agora, quando as figuras neoliberais vêm dizer que a esquerda vai acabar com a economia do país porque só olha para as questões sociais, o que estão fazendo é aplicar a lógica perversa do neoliberalismo sobre projetos em que ela não se aplica. Lembremos que as bases da esquerda contemporânea remontam a Marx e Engels, os caras que escreveram O Capital, os caras que fizeram boa parte das principais teorias econômicas dos últimos tempos. Todo o sentido da esquerda tradicional está em pensar os modos de produção.
O neoliberal só consegue ver as questões sociais como prejuízo para a economia porque só consegue pensar no seu próprio lucro, porque só consegue pensar em “gerar” riqueza em detrimento do outro. Isso quer dizer que, para ele, cuidar das questões sociais só pode vir com a cara de caridade. Para ele, cuidar do pobre só pode ser dar um pouquinho do seu lucro. Ao contrário, o que está em jogo num projeto de esquerda, seja ele de cunho marxista ou não, é pensar um projeto de sociedade, um modo de vida em comum e um modo de produção e circulação da riqueza que sirva a todos. Aqui o pensamento de esquerda se desdobra nas mais variadas linhas, mas todas elas têm algo fundamental em comum: HÁ PARA TODOS E TODAS! De fato, não há suficiente para que todos e todas tenham tanto quanto o 1% mais rico. Mas não se preocupe, você provavelmente está bem longe deste 1%. Quando se fala em taxação de grandes fortunas, em distribuição de renda, em reforma agrária… enfim, quando se fala em tornar o pobre menos pobre, não é de você, da sua SUV, nem do seu ap na Vila Olímpia - não é daí que a esquerda vai tirar. É do 1% mais rico - que NÃO É quem está movendo a economia, é quem está acumulando capital e empobrecendo o resto do povo.
Pedro H. Mendonça
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