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Do Falo a Outra fala*


Há sociedades de filiação uterina em que as mulheres detém as máscaras em que a coletividade se aliena. O pênis perde então muito de seu prestígio. É só no seio da situação apreendida em sua totalidade que o privilégio anatômico cria um verdadeiro privilégio humano. A psicanálise só conseguiria encontrar sua verdade no contexto histórico. (BEAUVOIR, 2019 [1949], p. 78)


A teoria psicanalítica enuncia, portanto, a verdade sobre o status da sexualidade feminina, e da relação sexual. Mas ela para por aí. Recusando interpretar as determinações históricas de seu discurso [...], e particularmente o que infere a sexuação até o presente exclusivamente masculina da aplicação de suas leis, ela se mantém presa no falocentrismo, que pretende elevar a um valor universal e eterno. (IRIGARAY, 2017 [1977], p. 117)


Lacan questiona esse esquema de significação. Ele apresenta a relação entre os sexos em termos que revelam o “eu” falante como um efeito masculinizado do recalcamento, que figura como um sujeito autônomo e autorreferido, mas cuja própria coerência é posta em questão pelas posições sexuais que exclui no processo de formação da identidade. (BUTLER, 2017 [1990], p. 86)


É bem verdade que o trabalho de Judith Butler abre uma série de novas possibilidades para as construções e discussões em torno de sexualidade e gênero. Pode-se dizer que a consolidação, em Butler, disso que se tem chamado teorias queer, representa um marco histórico a partir do qual algo novo, ultrapassando mesmo os modos tradicionais de produção de saberes, emerge no trabalho de nomes importantes, como Paul B. Preciado e a brasileira viviane vergueiro¹. O próprio trabalho de Butler, por outro lado, se assenta numa relação crítica com a psicanálise e com as teóricas da chamada segunda onda feminista, desde o marco histórico que é Simone de Beauvoir. Assim, se a feminista estadunidense representa um divisor de águas, é porque recupera criticamente o que foi teorizado antes dela, mas sob uma epistemologia capaz de abrir espaços para a inventividade, para a criação. Em outras palavras, Butler encarna o par: crítica da tradição - abertura para o novo. É como se a genealogia foucaultiana que Butler exerce criasse a condição para uma posterior afirmatividade deleuziana (como em Preciado) e, por que não?, decolonial (como em viviane vergueiro). 

Frente a tudo isso, as perguntas com que flerto aqui ainda se inserem mais na crítica da tradição do que na invenção de uma nova pluralidade. Isto porque - aliás, eis o que quero mostrar - a afirmação de uma hegemonia na tradição apaga justamente possibilidades outras, de tal maneira que é só a partir do reconhecimento deste processo histórico e estrutural que se pode abrir espaço para a emergência de novas pluralidades.

De certa forma, como anunciam as citações que abrem este trabalho, a psicanálise tem, na história da sexualidade, uma posição por vezes ambígua. É inegável que exerce uma cartografia das condições estruturais e estruturantes da sexualidade e do gênero. No entanto, também é inegável que serviu diversas vezes a naturalizações de condições históricas de opressão. Tal ambiguidade é patente desde os textos de Freud sobre a sexualidade feminina (FREUD, 1996 [1931]; FREUD, 1996 [1933]). De fato, em ambos os textos, há tantas assertivas que indicam algum tipo de inferioridade feminina naturalizada, que não caberia aqui refutá-las uma a uma. Contudo, na conferência de 1933, há uma ressalva geralmente ignorada tanto por feministas quanto por psicanalistas - com consequências opostas para elas e eles. Diz Freud que “[d]e acordo com sua natureza peculiar, a psicanálise não tenta descrever o que é a mulher - seria esta uma tarefa difícil de se cumprir -, mas se empenha em indagar como é que a mulher se forma, como a mulher se desenvolve desde a criança dotada de disposição bissexual” (1996 [1933], p. 117).

Sem desculpas para Freud: estas linhas de maneira nenhuma retiram tantas outras na direção contrária. Oferecem, por outro lado, a  ferramenta para desnaturalizá-las: se a psicanálise “se empenha em indagar como é que a mulher se forma”, trata-se radicalmente de uma perspectiva histórica. Sim, é mais provável que Freud se refira à história pessoal do que à história da sociedade, mas a constituição subjetiva é uma história de socialização, de maneira que o “como se forma” a nível pessoal põe automaticamente em jogo as estruturas sociais - a ponto de levar a algumas consequências anatômicas da distinção psíquica entre os sexos.

De algum modo, esta ambiguidade entre naturalização e historicidade foi herdada também por Lacan, não só em suas teorias da sexuação, mas num plano epistemológico mais amplo: é difícil situá-lo antes ou depois da esfumaçada linha que separa estruturalismo e pós-estruturalismo - vai ser preciso fazer este desvio. Para falar de pós-estruturalismo, Williams (2013) recorre a um texto de Deleuze, intitulado Em que se pode reconhecer o estruturalismo? Ora, a noção de estrutura diz respeito a uma articulação de elementos heterogêneos (na origem saussuriana, signos) que produz sua própria significação. Isto é, no encontro de uma multiplicidade de elementos vazios e insignificantes por si mesmos, estes passam a se determinar e significar mutuamente, sob a lei da estrutura. A questão é: o que quer dizer exatamente a lei da estrutura?

Williams é brilhante em demonstrar como tal noção de estrutura permanece no pós-estruturalismo  (embora sua proposta fosse uma introdução, e não uma tese, toda introdução é já uma tese). Na verdade, ele deixa claro que o estruturalismo (a princípio, o clássico), nos peculiares termos com que é apresentado por Deleuze, é perfeitamente coerente com a própria filosofia deleuziana da diferença, o que equivale a dizer que o pós- diz respeito antes à radicalização crítica de uma epistemologia do que à sua superação. O que acontece é que a noção de estrutura que descrevemos acima, se levada às últimas consequências, nos leva a uma epistemologia da pluralidade: elementos heterogêneos são a radical diferença, em sua multiplicidade irredutível a um princípio unificador. Assim, o estruturalismo clássico ainda tem ecos euro-logo-cêntricos, por exemplo quando Lévi-Strauss pretende descrever a lei da estrutura em leis matemáticas universais. A diferença entre um estruturalismo clássico e um pós-estruturalismo está, portanto, no que se pensa que ordena a estrutura: leis universais ou processos históricos? A estrutura é um princípio universal que estabiliza a multiplicidade ou é seu modo histórico e sempre movimentado de se articular?

Eis a própria ambiguidade lacaniana. Por um lado, nosso querido psicanalista rompe, sim, com a estabilidade de um estruturalismo clássico, e chega a acusar Lévi-Strauss de um “cosmismo tranquilizador” (RAMIREZ, 2018) - risos. Ainda assim, não chega a afirmar a radical historicidade daquilo que descreve. Isto é, Lacan ainda pende mais para a lógica e para a antropologia levi-straussiana, com algo de uma universalidade aí, do que para a descrição da estrutura a partir de sua história, como fazem em geral seus colegas franceses (exceto Lévi-Strauss, apesar de que curiosamente andava na mesma panelinha). É entendendo que esta lógica tem sua razão de ser (razão que é histórica!) que olho para o Lacan da sexuação.

É claro que esta ambiguidade se reflete em suas teorias da sexuação. De certa forma, com o marco de Butler, no seu aspecto de crítica à tradição, se pode fazer uma leitura retroativa de Lacan, deixando de lado as naturalizações de uma pretensa estrutura universal, para poder reconhecer ali uma descrição precisa da constituição estrutural do patriarcado eurocidental. É verdade que a própria Butler (2017, p. 84-106) retorna à Lacan, mas com atenção a um momento anterior de sua obra, em que suas teorizações se voltam à mascarada e à questão de ter o falo X ser o falo. Aqui, o que pretendo é trazer à tona um momento posterior, em que passam a ser formuladas as tábuas da sexuação, nas quais a descrição da função fálica parece especialmente promissora para ver este patriarcado que, colônia, herdamos. De acordo com Cossi e Dunker (2017)

A ênfase nos aforismos “A mulher não existe” e “A relação sexual não existe”, elaborados a partir do seminário XVIII, permite pensar a diferença sexual tendo em conta o registro do Real e, consequentemente, permite perguntar pela plausibilidade de reconstruir ideias butlerianas à luz de um lacanismo renovado. (p. 7)


Para reconhecer as potências queer e feministas destas compreensões de estrutura, será indispensável que elas sejam aliadas à história dO Segundo Sexo traçada por Simone de Beauvoir - o que só é possível porque, embora com termos diferentes, existencialismo e estruturalismo têm uma crítica em comum. Trata-se de algo evidenciado pelo neologismo falogocentrismo, presente nos feminismos em geral, mas especialmente marcado entre as francesas. É claro que não se trata da ingenuidade de pensar um falocentrismo como uma sociedade centrada no pênis (órgão, imaginário). Não, a crítica é realmente ao falo, enquanto princípio organizador, estabilizador, herdeiro do pai totêmico freudiano. O que o neologismo tem de importante é ressaltar que falocentrismo e logocentrismo são indissociáveis; a racionalidade cartesiana é correlata de um poder patriarcal ordenado sob a lógica fálica. Beauvoir (2019 [1949]), logo de saída deixa claro que o sujeito universal e pretensamente neutro, já é masculino: “a relação dos dois sexos não é a das duas eletricidades, de dois polos. O homem representa a um tempo o positivo e o neutro, a ponto de dizermos “os homens” para designar os seres humanos, tendo-se assimilado ao sentido singular do vocábulo latino vir o sentido geral do vocábulo homo” (p. 11). Logo adiante, a autora é ainda mais explícita:

A humanidade é masculina, e o homem define a mulher não em si, mas em relação a ele; ela não é considerada um ser autônomo. [...] A mulher determina-se e diferencia-se em relação ao homem, e não este em relação a ela; a fêmea é o inessencial perante o essencial. O homem é o Sujeito, o Absoluto; ela é o Outro. (p. 12-13)


Antes de dar o próximo passo, quero retomar a citação de Butler da minha epígrafe. Falando de Lacan, “ele apresenta a relação entre os sexos em termos que revelam o ‘eu’ falante como um efeito masculinizado do recalcamento, que figura como um sujeito autônomo e autorreferido” (2017 [1990], p. 86). Pronto, está dada a correlação entre o sujeito organizado em torno a função fálica - o lado homem das tábuas da sexuação - e o sujeito cartesiano reificado naquilo que Beauvoir, na esteira do existencialismo sartriano, nomeia como má-fé: querer ser coisa.

A potência das tábuas da sexuação para um pensamento feminista está justamente em apontar que a função fálica - sim, patriarcal, porque herdeira do Pai - ordena o gozo de modo a suprimir algo, quer se nomeie este algo como o caráter indeterminado e aberto da existência, quer se o nomeie como o polimorfismo pulsional do isso. Mas isso sobrevive. Resta algo de múltiplo (que não faz conjunto!) e indeterminável: 

Esse “a mais” (encore) aponta àquilo que Lacan chama de Outro gozo – gozo para além do gozo fálico e que persegue um significante impossível de ser articulado. Contra a visão butleriana da psicanálise, as fórmulas da sexuação mostram que nem toda sexualidade é fálica ou simbolicamente ordenada, daí seu caráter plural. (COSSI; DUNKER, 2017, p. 7)


Então, no trabalho que virá, me proponho a um duplo movimento. Primeiro, historicizar a estrutura. Cossi (2016) faz questão de pontuar que a virada para a sexuação na obra de Lacan mantém o falo no centro, mas, se antes era como articulador da relação entre homem e mulher, agora é como terceiro a que os dois estão referidos, e em razão do qual não há relação sexual. Isto é, o falo agora não tem mais o estatuto de algo que ordena a relação dos sexos, mas sim daquilo que a impede, porque restringe o acesso da posição masculina a este Outro gozo, que eu ousaria chamar de gozo da multiplicidade, talvez gozo de um corpo-sem-órgãos. E se tal restrição tem algo que ver com o pênis, não há nada de fisiológico aí, tanto que sujeitos com pênis podem muito bem acessar este Outro gozo, assim como mulheres muito presumivelmente femininas podem operar tão somente na ordem fálica… mas isso já é assunto da mascarada, e Butler já o fez². O que há, isso sim, é materialização histórica do falo no pênis, uma valorização social do órgão que imaginariza nele o falo, criando as condições da constituição predominante de sujeitos cisgênero e até da tão mal-dita inveja do pênis.

Mas isso nada tem a ver com a estrutura do patriarcado no seu plano mais fundamental, a não ser pelo fato de que sujeitos com pênis têm ocupado a posição fálica. Ora, o problema não está no pênis, está no falo - não é o homem, mas aquilo que ele herda do Pai (da horda). Virá a ser o homem, ou melhor, o pênis, somente na medida em que ele não consiga ser Outra coisa. Ou seja, não é falo por si, mas aquilo que ele impede de emergir. Luce Irigaray (psicanalista?) foi expulsa da Freudiana de Paris, tal qual Lacan da IPA. Ela escreve sobre A mecânica dos fluidos (2017 [1977], p. 121-135), em oposição ao sólido que predomina na tradição eurocidental. Falo, logos, sujeito (cartesiano), má-fé… são sólidos, e “a linguagem falha em reconhecer o ‘sujeito’ do inconsciente e se recusa a inquirir sobre a submissão, ainda atual, do sujeito a uma simbolização que conde precedência ao sólido” (p. 127, grifos da autora). Precedência esta que se dá em detrimento do fluido, o qual chega mesmo a ser absorvido, pois “se toda economia psíquica se organiza em função do falo (ou Falo), caberia perguntar o que esta primazia deve a uma teleologia de reabsorção do fluido em uma forma consistente” (idem, ibid.).

Trago a mecânica dos fluidos à tona porque - e este é o segundo movimento que quero seguir - Irigaray nos lembra que, por mais fluido e inapreensível que Lacan seja, ainda é homem. Feminista e psicanalista, ela rejeita veementemente que o gozo feminino seja indizível - a não ser para o sujeito masculino - e dedica toda sua obra não só à teoria, mas à excecução de um falar-mulher³. Afinal, na discursividade fálica, Deus e mulher sobram como dejetos nesta “instância abatida de mutismo, mas eloquente em seu silêncio: o real” (idem, ibid., p. 128). 

Assim, reconhecer o patriarcado em sua estrutura falogocêntrica e aprender a gozar com todo o resto do corpo, gozar com a Outra… que seja um caminho para ouvir e falar com outras vozes e outros olhos. Que se invente fala além do falo. Afinal, “a mulher, isso fala. Mas não ‘igualmente’, ‘o mesmo’, ‘o idêntico a si’, nem a um x qualquer, etc. Não ‘sujeito’, a menos que seja transformada pelo falocratismo. Ela fala ‘fluido’” (p. 128).




* Apresentação do tema de pesquisa para o curso de especialização em Semiótica Psicanalítica - clínica da cultura na COGEAE/PUC-SP, entregue em dezembro de 2020.

¹ Noto seu nome em minúsculas, tal qual a própria autora assina.

² BUTLER, 2017[1990], p. 84-106 (Lacan, Riviere e as estratégias da mascarada)

³ Escrever já é não falar, mas, para sentir na pele, nos olhos, ouvidos, boca e nos poros algo perto disso, que se experimente, no final da coletânia dos únicos textos traduzidos (2017[1977]), o que acontece Quando nossos lábios se falam (p. 233-246).



Bibliografia


BEAUVOIR, Simone de [1949]. O segundo sexo, vol. 1: fatos e mitos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2019.


BUTLER, Judith [1990]. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.


COSSI, Rafael Kalaf. A diferença dos sexos: lacan e o feminismo. 2016. 276 f. Tese (Doutorado) - Curso de Psicologia Clínica, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47133/tde-25072017-090645/publico/cossi_do.pdf>. Acesso em: 25 out. 2020.


COSSI, Rafael Kalaf; DUNKER, Christian Ingo Lenz. A Diferença Sexual de Butler a Lacan: Gênero, Espécie e Família. Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, v. 33, e3344, 2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-37722017000100404&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 14  nov.  2020.


FREUD, Sigmund [1931]. Sexualidade feminina. In: Obras completas: edição standard, v. XXI. Rio de Janeiro: Imago, 1996.


FREUD, Sigmund [1933]. Conferência XXXIII: Feminilidade. In: Obras completas: edição standard, v. XXI. Rio de Janeiro: Imago, 1996.


IRIGARAY, Luce [1977]. Este sexo que não é só um sexo: sexualidade e status social da mulher. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2017.


RAMÍREZ, Fernando. Lacan y Lévi-Strauss. La causalidad estructural: senderos que se bifurcan. Acheronta, Buenos Aires, n. 30, abr. 2018. Disponível em: <http://www.acheronta.org/acheronta30/ramirez.htm>. Acesso em: 14/11/2020.


WILLIAMS, James. Pós-estruturalismo. Petrópolis: Vozes, 2013.



Pedro H. Mendonça


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